27 de novembro de 2014

Pele



- Qual o instrumento musical favorito?
- A pele.

Zack Magiezi
E não desejo outro ofício 
em que me ocupar.

Exercício


13 de outubro de 2014

Longas estações

Katia Chausheva



Não sabes então que me amas, amas muito mais que podes saber? Amas mesmo sem o socorro da tua consciência. E, se não me amas com a paixão do meu amor, te ensinarei novamente a amar-me. Não te peço tempo, dias, horas.
Sou mulher de longas estações.


Intimidades. Antologia de Contos Eróticos Femininos.


23 de setembro de 2014

Dentro de mim faz sul





quero reaprender o amor na respiração das tuas mãos 

quero-me sentado nas pálpebras quietas do teu olhar

quero me goiabar em ti, caroço e casca, verme e moço, seiva e corpo

tu – minha noite redonda

minha madrugada mulata.



Dentro de Mim faz Sul



3 de julho de 2014

Vida


a manh'ser


Eu sou o caule 
dessas trepadeiras sem classe, 
nascidas na frincha das pedras: 
Bravias. 
Renitentes. 
Indomáveis. 
Cortadas. 
Maltratadas. 
Pisadas. 
E renascendo.

Minha Cidade
A minha vida é como
se me batessem com ela.

Intervalo Doloroso/Livro do Desassossego


25 de junho de 2014

Blue

Fine Art America


Não te esqueças de, ao sair,
deixar a porta aberta.
Podes perder a chave
e não entrar.
Ou podem roubar-ta,
o que é pior.
Porque são numerosos
os ladrões do azul.

Albano Martins
Escrito a Vermelho

Consegues imaginar o céu sem o azul?
É assim que me faltas.

6 de junho de 2014

Espera

P Malkievicz



Não uma e meia nem sete nem quatro,
trinta e oito da madrugada,
duzentas e onze da manhã,
e uma escuridão infinita.

António Lobo Antunes
Eu Hei-de Amar uma Pedra

Horas, horas sem fim,
pesadas, fundas,
esperarei por ti
até que todas as coisas sejam mudas.
Até que uma pedra irrompa
e floresça.
Até que um pássaro me saia da garganta
e no silêncio desapareça.

Eugénio de Andrade
Espera



8 de maio de 2014

Amor




O amor nos suspende, nos arranca de nós mesmos e nos joga no estranho por excelência: outro corpo, outros olhos, outro ser. E é só neste corpo que não é nosso e nessa vida irremediavelmente alheia que podemos ser nós mesmos. 
Octavio Paz
O Arco e a Lira

1 de maio de 2014

Água



Falar de ti
é falar de tudo o que passa
no alto dos ventos
na luz das acácias
é esquecer os caminhos
apagar o enredo
é pensar as formas do branco
como teu corpo numa praia
branda e azul
tua pele não retém as horas
escorres, liquida
sonora

Francisco Alvim
Exemplar Proceder, 1974



Desconheço a autoria da imagem



17 de abril de 2014

Te sei

Rui Molefas



Te sei. Em vida
Provei teu gosto.
Perdas, partidas
Memória, pó.

Hilda Hilst
Poesia XXIX (Te Sei)

Não sei de amor senão o não ter tido
teu corpo que não cesso de perder.


Não Sei de Amor Senão



14 de abril de 2014

Vida

Weheartit





















Achar a porta
que esqueceram de fechar.
O beco com saída.
A porta sem chave.
A vida.


Toda Poesia 



7 de abril de 2014

Corpo Atento

Lena Queiroz

A tarde avança em lençóis de fumo
e tu não bates à minha porta.
Enrolo um cigarro de lume para acabar com a dor.
Tenho os ouvidos lá fora e o corpo atento.


Isabel Mendes Ferreira
O Corpo Atento                       
                                          ...                                 

e ao anoitecer adquires nome de ilha ou de vulcão
deixas viver sobre a pele uma criança de lume
e na fria lava da noite ensinas ao corpo
a paciência o amor o abandono das palavras
o silêncio
e a difícil arte da melancolia.

Al Berto
Horto de Incêndio



31 de março de 2014

Dentro de Mim Faz Sul





Quero reaprender o amor 
na respiração das tuas mãos
Quero-me sentado nas 
pálpebras quietas do teu olhar
Quero me goiabar em ti, caroço 
e casca, verme e moço, seiva e corpo
Tu – minha noite redonda
minha madrugada mulata.

Dentro de Mim faz Sul



26 de março de 2014

Improviso da madrugada




Húmido de beijos e de lágrimas, 
ardor da terra com sabor a mar, 
o teu corpo perdia-se no meu. 

(Vontade de ser barco ou de cantar.) 


Os Amantes sem Dinheiro



24 de março de 2014

Do amor

Frans Lanting/Corbis



Talvez o amor seja uma figura de proa desafiando o barco
por entre o alvoroço das águas. 


Dia de Aniversário



20 de março de 2014

Braile

Scott Murdoch


Leio o amor no livro
da tua pele;
demoro-me em cada
sílaba, no sulco macio
das vogais, num breve obstáculo
de consoantes, em que os meus dedos
penetram, até chegarem
ao fundo dos sentidos. Desfolho
as páginas que o teu desejo me abre,
ouvindo o murmúrio de um roçar
de palavras que se
juntam, como corpos, no abraço
de cada frase. E chego ao fim
para voltar ao princípio, decorando
o que já sei, e é sempre novo
quando o leio na tua pele.


Braile


17 de março de 2014

Cais

John Kamke.


É preciso amar, sabe? 
Ter-se uma mulher a quem se chegue, 
como o barco fatigado à sua enseada de retorno. 
O corpo lasso e confortável, de noite pede um cais.

(trecho do diário)



12 de março de 2014

Apelo



na outra margem da noite
o amor é possível
— leva-me! —
leva-me entre as doces substâncias
que morrem cada dia na tua memória

Alejandra Pizarnik
O Olvido                                                                                                                                Derrame-se sobre mim
o brilho desta manhã
de esperança azul.
A noite foi só
ausência de luar.

Apelo



10 de março de 2014

Mil madrugadas

Sweet Charade

No teu rosto 
competem mil madrugadas 

A tua beleza 
é essa luta de sombras 
é o sobressalto da luz 
num tremor de água 
é a boca da paixão 
mordendo o meu sossego.

Mia Couto
Raiz de Orvalho 




12 de fevereiro de 2014

Cheiro

Silent Bride


Agora que sinto amor
Tenho interesse no que cheira.

...
Hoje as flores sabem-me bem 
num paladar que se cheira.
Hoje às vezes acordo
e cheiro antes de ver.

Alberto Caeiro
O Pastor Amoroso
Hoje eu desenho o cheiro 
das árvores.

O Livro das Ignorânças


5 de fevereiro de 2014

No silêncio dos olhos

Elizabeth Etienne/Corbis



Em que língua se diz, em que nação,
Em que outra humanidade se aprendeu
A palavra que ordene a confusão
Que neste remoinho se teceu?
Que murmúrio de vento, que dourados
Cantos de ave pousada em altos ramos
Dirão, em som, as coisas que, calados,
No silêncio dos olhos confessamos?


José Saramago
Os Poemas Possíveis
Lisboa, Caminho, 1999



20 de janeiro de 2014

Faltou dizer

amanh'ser

Ainda te falta
dizer isto: que nem tudo
o que veio
chegou por acaso. Que há
flores que de ti
dependem, que foste
tu que deixaste
algumas lâmpadas
acesas. Que há
na brancura
do papel alguns
sinais de tinta
indecifráveis. E
que esse
é apenas
um dos capítulos
do livro
em que tudo
se lê e nada
está escrito
.

Albano Martins
Escrito a Vermelho